A tradição diz que bandido pequeno contra polícia não tem chance. Seria
verdade, caso o “ladrão de galinha” não fosse Cabidela. Na busca pelo
suspeito de furtos na Rua Estudante Jeremias Bastos, no Pina, conhecida
por ter vários ateliês, sobram dribles e ninguém grita olé. É que
Cabidela assa a batata dos vizinhos e ainda leva as panelas. Leva também
celular, TV e frigobar. Mora num “triplex”, nº 530, na via onde
vizinhos o viram crescer e meter-lhe as mãos nos bens enquanto dormiam o
sono dos justos - sem saber que a noite é dos amigos de uma Justiça
que os oferece a imunidade da lentidão.
Marcelo Antônio dos
Santos, 35 anos, assume quase um crime por ano vivido. “Numa
estimativa, acredito que roubei 30 pessoas nos últimos cinco anos”,
diz, com a calma de dependente químico a explicar como mantém o vício
em crack a todo custo. Sabe: baculejo vai e vem, mas ele continuará
solto.
Na Justiça, o rapaz responde a cinco processos, sem
contar os roubos a pai, mãe e ex-mulher. O de estreia, continua sem
julgamento desde 2009. O pai de Marcelo, Antônio Alfredo dos Santos,
repórter policial por 18 anos, já fala em “prescrição”. Até porque, pra
ele, a palavra “reabilitação” já caiu em desesperança. Como o primeiro
processo foi para o limbo, num outro, de 2010, Cabidela acabou
condenado como réu primário. Em vez de quatro anos de reclusão, após
confissão, ainda teve pena reduzida a 13 meses. Um “recursinho” ali e
pronto: até hoje não se tem definição de como ou se ele prestará
serviços à comunidade. O que vem prestando é sua confissão de novos
crimes: “Não sou hipócrita. Se fui eu, assumo. Se não foi, não.
Simples”. Elementar como tirar doce de criança (e eletrônico de
adulto).
Por sorte ou bênção, Cabidela escorrega mais que mussum
ensaboado. Na quarta-feira, deixou, outra vez, a delegacia de Boa
Viagem, depois que o próprio secretário de Defesa Social, Wilson
Damázio, se comprometeu a prendê-lo em sete dias - prazo expirado
ontem. Justo nessa semana, o secretário tirou férias, levando consigo a
promessa. Sem mandado de prisão ou flagrante, Cabidela saiu pela porta
da frente, parando apenas para se dizer vítima de perseguição,
calúnia, difamação. Só não prometeu parar de roubar nem provar
inocência das acusações. Disse não fazer promessas que não pode
cumprir. Ensinou até ao secretário.
Antes de ser detido, o
advogado de Cabidela já havia solicitado um Habeas Corpus. “Falei com um
grande amigo, o juiz Djalma Xavier de Farias. Precaução”, disse o pai
do rapaz, provando que seguro morreu não só de velho, mas de falta de
apoio. A polícia diz que a culpa de o homem estar à solta é da Justiça.
“A gente pede a prisão dele e não autorizam. O que fazer?”, lamenta o
delegado Erivaldo Guerra.
Mas segundo a assessoria de comunicação
do Tribunal de Justiça, o juiz Cristóvão Tenório de Almeida alega que
nos três processos contra Cabidela que ainda não foram julgados, não há
pedidos de prisão. Num deles, inclusive, há registro que o julgamento
não ocorreu por o rapaz “não ter sido localizado”. Os vizinhos dão a
dica: “ali, ó. No 530”. Difícil?
Das cinco denúncias, o rapaz foi
absolvido por uma, em maio. Não porque o juiz João Guido Tenório de
Albuquerque acreditasse na inocência, mas porque, segundo os autos, o
inquérito policial não provou que uma balança foi roubada de um
supermercado. Não havia marca, peso, foto ou nota fiscal que sequer
indicasse sua existência. Como a polícia não conseguiu constatar que uma
balança foi roubada - ainda que apontando quem a teria levado Cabidela
ficou livre. “Não prendeu, não prendeu. Fazer o quê?”, foi o que
Erivaldo Guerra respondeu.
“Enquanto isso, as pessoas continuaram
sendo roubadas?”, questiono. “Sem mandado, posso fazer nada”,
limitou-se a dizer. Sem pedido, a Justiça também não fez. Quem faz tudo é
Cabidela. Esse, sim, eficiente. Disse que terá que sair do Pina porque
chamou muita atenção com essa história. “Do final do ano não passo.
Tenho que ir, senão me matam”, fala, completando que quer sossego: “não
tenho paz nem para fumar uma pedra”. Deve arrumar a mochila e seguir à
próxima “freguesia”, aproveitando que quem os deveria punir insiste no
“cabo de guerra”. Enquanto isso, vai fervendo o sangue dos vizinhos e
desfila na cara de autoridades.DIÁRIO DE PE
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