sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Nem corra que a polícia não vem aí

Na Justiça, o rapaz responde a cinco processos, sem contar os roubos a pai, mãe e ex-mulher (Bruna Monteiro DP/D.A Press)
A tradição diz que bandido pequeno contra polícia não tem chance. Seria verdade, caso o “ladrão de galinha” não fosse Cabidela. Na busca pelo suspeito de furtos na Rua Estudante Jeremias Bastos, no Pina, conhecida por ter vários ateliês, sobram dribles e ninguém grita olé. É que Cabidela assa a batata dos vizinhos e ainda leva as panelas. Leva também celular, TV e frigobar. Mora num “triplex”, nº 530, na via onde vizinhos o viram crescer e meter-lhe as mãos nos bens enquanto dormiam o sono dos justos - sem saber que a noite é dos amigos de uma Justiça que os oferece a imunidade da lentidão.

Marcelo Antônio dos Santos, 35 anos, assume quase um crime por ano vivido. “Numa estimativa, acredito que roubei 30 pessoas nos últimos cinco anos”, diz, com a calma de dependente químico a explicar como mantém o vício em crack a todo custo. Sabe: baculejo vai e vem, mas ele continuará solto.

Na Justiça, o rapaz responde a cinco processos, sem contar os roubos a pai, mãe e ex-mulher. O de estreia, continua sem julgamento desde 2009. O pai de Marcelo, Antônio Alfredo dos Santos, repórter policial por 18 anos, já fala em “prescrição”. Até porque, pra ele, a palavra “reabilitação” já caiu em desesperança. Como o primeiro processo foi para o limbo, num outro, de 2010, Cabidela acabou condenado como réu primário. Em vez de quatro anos de reclusão, após confissão, ainda teve pena reduzida a 13 meses. Um “recursinho” ali e pronto:  até hoje não se tem definição de como ou se ele prestará serviços à comunidade. O que vem prestando é sua confissão de novos crimes: “Não sou hipócrita. Se fui eu, assumo. Se não foi, não. Simples”. Elementar como tirar doce de criança (e eletrônico de adulto).

Por sorte ou bênção, Cabidela escorrega mais que mussum ensaboado. Na quarta-feira, deixou, outra vez, a delegacia de Boa Viagem, depois que o próprio secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, se comprometeu a prendê-lo em sete dias - prazo expirado ontem. Justo nessa semana, o secretário tirou férias, levando consigo a promessa. Sem mandado de prisão ou flagrante, Cabidela saiu pela porta da frente, parando apenas para se dizer vítima de perseguição, calúnia, difamação. Só não prometeu parar de roubar nem provar inocência das acusações. Disse não fazer promessas que não pode cumprir. Ensinou até ao secretário.

Antes de ser detido, o advogado de Cabidela já havia solicitado um Habeas Corpus. “Falei com um grande amigo, o juiz Djalma Xavier de Farias. Precaução”, disse o pai do rapaz, provando que seguro morreu não só de velho, mas de falta de apoio. A polícia diz que a culpa de o homem estar à solta é da Justiça. “A gente pede a prisão dele e não autorizam. O que fazer?”, lamenta o delegado Erivaldo Guerra.

Mas segundo a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça, o juiz Cristóvão Tenório de Almeida alega que nos três processos contra Cabidela que ainda não foram julgados, não há pedidos de prisão. Num deles, inclusive, há registro que o julgamento não ocorreu por o rapaz “não ter sido localizado”. Os vizinhos dão a dica: “ali, ó. No 530”. Difícil?

Das cinco denúncias, o rapaz foi absolvido por uma, em maio. Não porque o juiz João Guido Tenório de Albuquerque acreditasse na inocência, mas porque, segundo os autos, o inquérito policial não provou que uma balança foi roubada de um supermercado. Não havia marca, peso, foto ou nota fiscal que sequer indicasse sua existência. Como a polícia não conseguiu constatar que uma balança foi roubada - ainda que apontando quem a teria levado Cabidela ficou livre. “Não prendeu, não prendeu. Fazer o quê?”, foi o que Erivaldo Guerra respondeu.

“Enquanto isso, as pessoas continuaram sendo roubadas?”, questiono. “Sem mandado, posso fazer nada”, limitou-se a dizer. Sem pedido, a Justiça também não fez. Quem faz tudo é Cabidela. Esse, sim, eficiente. Disse que terá que sair do Pina porque chamou muita atenção com essa história. “Do final do ano não passo. Tenho que ir, senão me matam”, fala, completando que quer sossego: “não tenho paz nem para fumar uma pedra”. Deve arrumar a mochila e seguir à próxima “freguesia”, aproveitando que quem os deveria punir insiste no “cabo de guerra”. Enquanto isso, vai fervendo o sangue dos vizinhos e desfila na cara de autoridades.
DIÁRIO DE PE

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