quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Transtornos psicológicos que atingem PMs têm graves consequências à sociedade


Por ano, entre 30 e 40 servidores, em média, são afastados das atividades de rua devido a problemas como depressão, síndrome de pânico, alcoolismo e uso de drogas ilícitas / Foto: Filipe Ribeiro/JC Imagem

Foto: Filipe Ribeiro/JC Imagem
Felipe Vieira
Os transtornos psicológicos que atingem policiais militares também têm um custo à sociedade (além, claro, de a eles mesmos): por ano, entre 30 e 40 servidores, em média, são afastados das atividades de rua devido a problemas como depressão, síndrome de pânico, alcoolismo e uso de drogas ilícitas. A depender da gravidade, o militar pode ser dispensado ou obter uma licença. No primeiro caso – quando o transtorno é leve – passa a realizar apenas atividades administrativas. No segundo, é afastado de qualquer função pelo tempo que durar o tratamento, muitas vezes sendo necessário medicamentos e internação em unidade hospitalar da corporação. 
De janeiro a novembro deste ano, 345 profissionais tiveram algum tipo de atendimento – de uma simples orientação à internação – no Núcleo de Apoio ao Dependente Químico (Nadeq) da Polícia Militar, no bairro do Derby, área central do Recife. É na entidade que se encontram aqueles militares que conseguiram vencer o próprio preconceito e procurar ajuda. Atualmente, 32 deles estão sendo acompanhados na luta diária contra os “inimigos” dentro da própria mente.

PM que atirou contra filhos já passou pelo tratamento, mas desistiu

Nas dependências do Nadeq esteve, por duas ocasiões, o sargento Moisés de Lima Carvalho, 49 anos, que, no último domingo pela manhã, atirou nos dois filhos durante uma discussão regada a bebida – Diego Carvalho, 24 anos, o caçula, acabou faleceu na tarde do mesmo dia. O primeiro tratamento contra o alcoolismo durou pouco menos de um ano. “Ele saiu bem daqui e obteve alta médica para voltar a trabalhar”, explica a coronel Valdenise Salvador, que coordena o Centro de Assistência Social (CAS) da PM. Mas, este ano veio uma recaída, e Moisés foi novamente afastado das ruas e encaminhado ao Nadeq. Desta vez, não ficou dez dias sob os cuidados de psicólogos, assistentes sociais e instrutores da corporação. “Ele desistiu, parecia não querer o tratamento. Gritava com os colegas assistidos”, comenta um policial que se trata da dependência em cocaína.


Para os que persistem na luta contra o vício e a depressão, a rotina no Nadeq conta com atividades artísticas, palestras, exercícios físicos e ajuda a outras instituições. “Esse apoio foi muito importante pra mim. Imagina, ser afastado do trabalho por causa de bebida e não ter onde se tratar?”, comenta outro PM, já reformado, que lutou por 20 anos contra a dependência e está uma década sem beber. 

Segundo a coronel Valdenise Salvador, muitos policiais que chegam ao núcleo – espontaneamente, por pressão das famílias ou por ordem expressa dos superiores – passam por um período de desintoxicação em um hospital para poderem iniciar o tratamento. Ela reitera que não há qualquer dificuldade para que um PM com transtornos seja atendido no sistema da corporação. “Não há fila de espera. É chegar e iniciar o tratamento.”
O diretor da Associação dos Praças de Pernambuco (Aspra), José Roberto Vieira, rebate a afirmação. “Nos chegam muitas denúncias de dificuldades para esse tipo de atendimento.” A entidade pretende levar ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) um pedido de investigação das condições do serviço psicossocial da corporação.
O secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, considera que o governo desafogou o sistema de atendimento psicológico da PM. “Havia um gargalo na estrutura, pois até 2016 existia apenas um centro de assistência social no Recife. Isso exigia longos deslocamentos para militares de outras áreas”, explica. Segundo ele, em dois anos, foram implantadas três unidades no interior – Serra Talhada e Petrolina, no Sertão, e Caruaru, no Agreste. “Será inaugurado um novo centro em Garanhuns, no fim deste mês, e outro em Nazaré da Mata, na Zona da Mata, em 2019”. Para ele, é necessário que a categoria vença a relutância em procurar ajuda. “Os policiais são chamados para prevenir e mediar situações de violência em decorrência do abuso de drogas, álcool e outros transtornos psicossociais. É preciso quebrar o preconceito e a estigmatização”. Quem conseguiu – como o PM que está há dez anos sem ingerir bebida alcoólica – sabe o custo de viver livre do vício. “Eu só não posso voltar para a barraca. O resto, tudo certo.”

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